Segundo a mãe, os profissionais do Hospital Luzia de Pinho Melo somente aplicaram o soro antiofídico após ela insistir. Rodrigo Marques Lima dos Santos, professor e doutor em Biologia, dá orientações sobre o que deve ser feito em caso de picadas por animais peçonhentos. Menino é picado por cobra, toma antídoto e sobrevive em Guararema
Uma mãe de Guararema entrou em contato com a produção do Diário TV após ver uma reportagem sobre o caso de João Victor Delfino Laurentino, que morreu na segunda -feira (20) após ser picado por uma cobra. Ela disse que o caso foi há cerca de um ano e também reclamou do atendimento no Hospital Luzia de Pinho Melo, em Mogi das Cruzes, referência no atendimento a casos de acidentes com animais peçonhentos.
A tranquilidade do sítio em Guararema, onde Roseli Aparecida Soares Marçal mora há mais de 40 anos, foi interrompida por um momento de desespero há cerca de um ano. O filho dela, na época com 12 anos, foi picado por uma cobra enquanto brincava com alguns amigos no quintal.
Enquanto a mãe buscava ajuda, o pai decidiu ir atrás da cobra acreditando que isso facilitaria o atendimento. Ele encontrou e conseguiu matar o animal, colocou dentro de um balde e a família seguiu para a Santa Casa de Guararema, onde Kauan recebeu os primeiros atendimentos, incluindo a aplicação de um anticoagulante.
“Eu estava naquela corrida contra as seis horas, que eu achava, no meu ponto de vista, que não podia. E isso seguindo as orientações dos próprios médicos e enfermeiros de Guararema nos orientou. ‘Não, você vai levar a cobra porque eles precisam’”, disse Roseli.
Segundo a pedagoga, ainda na Santa Casa de Guararema, ela foi orientada de que o filho precisava ser transferido para o Hospital Luzia de Pinho Melo, em Mogi das Cruzes, para receber o soro antiofídico. Nessa corrida contra o tempo, Roseli disse ter encontrado problemas no atendimento na unidade.
“Falei para a doutora, ela: ‘qual que foi a cobra?’. Eu falei: ‘está ali’. Eu falei ‘o que eu faço com a cobra?’. ‘Deixa aí’. E eu falo deixa aí porque eu observei a cobra não saiu dali. O tempo todo que eu fiquei, entre triagem, aquela questão, a cobra não saiu dali. Ótimo, ou seja, ninguém teve o trabalho de ver qual era a cobra, se realmente era jararaca, se realmente era aquele antídoto que tinha que dar para o meu filho. A doutora vai e prescreve o antídoto. E eu sempre pergunto: ‘o que é isso, doutora?’. Ela falou: ‘é o antídoto para o teu filho’. Eu falei: ‘está bom’. Aí a enfermeira várias vezes vinha, porque eu ia lá, questionava e elas vinham: ‘não tem nada prescrito’. E eu: ‘como não, eu vi a doutora prescrevendo. Eu vi’. 0h, 0h5 mais provável, a doutora entrou na sala, deitou sobre o meu filho na maca e falou: ‘mãezinha, vou dar alta para o teu filho’. Eu já me espantei. ‘Como antídoto se vocês não aplicaram antídoto no meu filho?’. Não teve antídoto no meu filho. Ela: ‘como não?’. Ela foi, fez as enfermeiras trazerem na hora o antídoto, mas isso já era o que? Era 0h30, ou seja, já tinha passado meia hora das seis horas. Ou seja, foi o risco que meu filho poderia ter vindo a óbito. Porque assim, ele não tomou o antídoto”, explicou Roseli.
O Hospital Luzia de Pinho Melo informou que o paciente, após ter sido picado no dia 18 de novembro de 2021, foi inserido no Cross, às 18h43, e regulado em 40 minutos para a unidade, onde foi medicado com soro antiofídico e teve alta hospitalar na manhã seguinte após acompanhamento médico.
A direção do Hospital Luzia de Pinho Melo lembrou que pacientes vítimas de animais peçonhentos agora podem ser transferidos das unidades municipais ao hospital diretamente, sem passar pela central de regulação, reduzindo o tempo de atendimento e ampliando o sucesso no tratamento.
Prevenção
Em um condomínio em Mogi das Cruzes, a presença de animais peçonhentos também é frequente. Samuel, que já foi síndico, disse que um biólogo responsável pelo paisagismo deu algumas orientações como a poda das árvores de uma mata que fica nos fundos do condomínio.
“Nós fizemos a tampa, tampando os buracos nos muros que tinham. Acesso a essa mata aqui, então nós fizemos, primeiramente, esse tipo de precaução. E paralelamente a isso, nós também contratamos a Zoonoses aqui de Mogi para que eles enviassem aqui um técnico. Reunimos moradores aqui no salão à época, e ele foi e fez a explicação muito boa a respeito de como evitar essas mordidas”, disse o advogado Samuel Alves Ferreira.
Além destas medidas, todas as tubulações receberam grades que impedem a entrada de animais, como cobra e escorpião. Depois de sugestões de moradores, há mais ou menos três anos, galinhas d’angola tomam conta da área de mais de 170 mil metros quadrados para ajudar no controle dos animais peçonhentos.
“Elas consumiram e já limparam. Hoje, praticamente nós não avistamos mais nenhum escorpião que antes se abundava por aí. Deu resultado”, completou Samuel.
Recomendações
Rodrigo Marques Lima dos Santos, professor e doutor em Biologia, explicou como deve ser utilizado o soro contra picadas de cobra. Ele também deu algumas recomendações sobre o que deve ser feito em caso de picadas por animais peçonhentos.
“Na verdade, a gente tem as recomendações que a gente tem que fazer, que a gente tem que seguir a partir de um acidente ofídico. Então, a partir do momento que uma pessoa sofre um acidente, a gente chama acidente porque a frequência desses eventos é muito rara para a nossa felicidade. Então, o ideal é que ela tome o soro antiofídico no menor tempo possível. Mas para isso, tendo em vista a legislação atual, a restrição, digamos assim, de oferta aos centros de referência, o ideal é que esse transporte do acidentado seja feito via SAMU direto para o hospital de referência e assim ele recebe o soro apropriado. Em relação a identificar os animais, isso é muito difícil e, de fato, existem cinco tipos diferentes de soro antiofídico à disposição da população. Esses soros eles agem de forma específica para o animal envolvido no acidente, por isso que a identificação, levar o animal, é importante. No entanto, o tipo de ferimento também nos dá indícios de qual é esse acidente. 80% dos acidentes no Brasil acontecem com um grupo de serpentes, que são as jararacas. Por isso que o principal soro antiofídico, que é contra a jararaca, ele vai ser administrado, ele tende a ser o principal a ser administrado. Se a pessoa tiver em dúvida se é de cascavel, por exemplo, tem um soro que cobre essas duas espécies. E assim, o atendimento tende a ser melhor quanto maior a nossa facilidade em saber qual foi o animal responsável pelo acidente”.
O especialista também explicou que a aplicação de coagulantes é importante, mas o ideal é a aplicação de soro antiofídico em acidentes com animais peçonhentos.
“A aplicação do anticoagulante ela funciona contra estes tipos de serpentes que são 80% dos casos, né? Ela gera um efeito necrosante. Então, ele destrói as hemácias, a gente chama isso de hemolítico. Ela provoca coagulações também, então é uma medida preventiva, digamos assim, mas não é a condição ideal. O ideal é aplicar o soro o quanto antes, né? Teoricamente, o tempo que você demora para aplicar o anticoagulante, o ideal seria que essa pessoa já estivesse referência recebendo o soro e o tratamento adequado. Então, o ideal seria que a pessoa não fosse para a UPA, fosse direto, por exemplo, para o Luzia e isso acontece quando o atendimento se dá via 192, via SAMU. Então, em caso de acidente antiofídico, o ideal é chamar o SAMU, 192, que ele vai fazer o recolhimento e o endereçamento de forma correta para o centro de referência. Isso para todo Alto Tietê”.
O professor e doutor em Biologia ainda afirmou que é necessário que o soro seja aplicado por profissionais em hospitais porque o paciente pode apresentar reações alérgicas, por exemplo.
“A aplicação do soro ela vai ter que seguir algumas regras e, por isso, ela vai ter que ser no ambiente hospitalar. Como é uma droga intravenosa, ela tem que ser aplicada no ambiente hospitalar porque as pessoas podem ter algum tipo de reação alérgica, uma vez que os anticorpos que ela está recebendo são anticorpos que foram gerados em cavalos. Então, a pessoa pode ter algum tipo de alergia a esses anticorpos. E por isso, é fundamental que essa administração seja no ambiente hospitalar o mais rápido possível. A identificação: caso a pessoa receba um soro que não é da espécie que causou aquele acidente, na verdade é como se ela tivesse tomando um soro qualquer. Ela não vai ganhar nenhuma vantagem nisso e não vai ganhar nenhuma proteção nisso. Então, aplicar um soro sem saber o que é, é loteria. Então, não é a condição ideal. Pelo tipo de necrose, por exemplo, se tem necrose tecidual, a gente sabe que é … Isso já faz com que a gente já tenha um grupo de soros que poderia ser utilizado nesse sentido. Isso também vai da experiência, do treinamento do pessoal ao praticar esse atendimento. Reconhecer aquele tipo de mordida”.
O especialista também disse que tanto os profissionais de saúde como também a população deve se atentar às recomendações a serem seguidas para que o atendimento em caso de picadas por animais peçonhentos aconteça o mais rápido possível.
“Aí eu não consigo dizer que tipo de treinamento a prefeitura, o estado, tem fornecido a esses profissionais. De uma forma geral, é importante a gente pensar que tem dois lados aí da história. Tanto a população precisa conhecer os animais. E isso, infelizmente, na pandemia muitos conhecimentos acabaram sendo perdidos. Então, as pessoas precisam conhecer, precisam saber o que fazer, precisam saber o que procurar. Então, isso aumenta a velocidade de resposta no atendimento. Se a pessoa vai por um caminho muito mais longo para chegar no mesmo lugar, ela tem que saber como ela vai acionar a pessoa certa para aquela emergência médica e ela vai ser direcionada da forma correta. Então, eu não sei em relação à burocracia da UPA, porque uma vez que a pessoa deu entrada na UPA, ela vai ter que seguir uma burocracia via Cross que demora até a liberação de vaga. Então, tem um aspecto burocrático envolvido nisso. E seria minimizado se ela tivesse usado o atendimento de emergência, vou frisar de novo, 192 que é o atendimento do SAMU. Se fosse o atendimento direto do SAMU, provavelmente o desfecho seria diferente, porque o resgate seria mais rápido e já seria para o local certo”.
Assista a mais notícias sobre o Alto Tietê